19.NOV.2017

Medicina do Sono

Melatonina: para que serve?


    Você deve conhecer alguém tomando melatonina. Talvez você, talvez seu vizinho ou sua mãe. Talvez até tenha sido você mesmo que recomendou para alguém? Mas essas pessoas realmente precisam tomar este hormônio/neurotransmissor/suplemento/medicamento?

De vez em quando surge alguma substância que todo mundo trata como panaceia, na minha geração de médicos eram as estatinas, mas o Prozac (fluoxetina) já teve esse status. Agora a panaceia da moda na Medicina do Sono é a melatonina.


Mas afinal de contas para que ela serve?

    A melatonina é o neurotransmissor/hormônio que envia a mensagem para o corpo de que está de noite. Como assim? Vamos ter que fazer uma viagem rápida sobre o funcionamento do ciclo de sono-vigília antes de responder essa pergunta. Na base do cérebro existe um sensor para luminosidade chamado hipotálamo (especificamente o núcleo supraquiasmático do hipotálamo). Esse sensor feito de neurônios recebe informações dos olhos sobre a quantidade de luz ambiente e através dessa informação estima os horários do dia. Quase todos animais terrestres (e não raro os marítimos também) têm essa capacidade. Através dessas informações o indivíduo se programa para os horários de acordar e dormir; cada pessoa tem seu horário de dormir ou de acordar, cada um tem seu tempo total de sono e todos esses dependem em última análise da claridade e da escuridão (variação geofísica de luz).

Tenha paciência, agora vem a melatonina...

    O hipotálamo tem conexão direta com as áreas do cérebro que geram sono e não precisa de nenhum hormônio específico para iniciar o sono ou acordar a pessoa. Mas como que o resto do corpo fica sabendo se está de dia ou de noite? Por exemplo, como o coração sabe se a pessoa está dormindo? Ou o intestino? Ou os vasos sanguíneos? Ai que entra a melatonina.

    Quando começa a noite, chega ao hipotálamo a informação de que está escuro e este por sua vez pede à glândula pineal (que também fica dentro do cérebro) secretar a melatonina. Esta cai na corrente sanguínea, se espalha e avisa as células do corpo que não tem acesso a informação vinda dos olhos de que está escuro e que é hora de mudar o metabolismo. O corpo todo entra no modo “sono” ou no mínimo começa a se preparar para o sono, por exemplo com queda da temperatura corporal, talvez um dos mais importantes sinais de que o corpo está se preparando para o sono. A frequência cardíaca cai, a pressão arterial cai, a frequência respiratória média cai... Enfim, são várias as alterações noturnas governadas pelo ciclo de sono-vigília e uma parte delas é modificada pela presença da melatonina.

    Ocorre então um ciclo virtuoso, pois a queda da temperatura corporal é um importantíssimo marcador para o início do sono e esta queda da temperatura não passa desapercebida pelo hipotálamo, reforçando a mensagem para o cérebro que de que está na hora de começar a dormir.

    Existe uma variação genética quanto ao momento de início da secreção da melatonina, o que explica os diferentes horários de início de sono entre as pessoas. Mas é muito importante deixar claro que a melatonina sozinha é incapaz de gerar sono!!! Na prática ela mal é necessária pelo cérebro propriamente dito. A melatonina ajuda a determinar os horários em que o corpo modifica seu metabolismo para preparar o corpo para o sono. De um modo muito parecido o hormônio cortisol faz o exato oposto da melatonina e começa a ser secretado cerca de 2 horas antes da pessoa acordar, elevando a temperatura corporal e preparando o corpo para a pessoa despertar de manhã.

    A secreção da melatonina é facilmente inibida por praticamente qualquer luminosidade (curiosamente a luz azul é a mais poderosa inibidora da melatonina e estimuladora da vígília). Por isso que, sempre que possível, o primeiro passo para dormir bem é ter um quarto bem escuro a noite. Aliás um detalhe interessante e geralmente esquecido: a noite no Brasil não começa às 22:00h (em geral). Para alguns pode não ser tão óbvio, mas a eletrizante vida moderna, de agenda sempre cheia, horários elásticos e rotina que avança noite a dentro, faz com que as pessoas se esqueçam que a noite começa por entre 18 e 20 horas dependendo da época do ano e do local onde você mora. Portanto, a partir desse horário, se você têm problemas de insônia não deveria se expor a claridade intensa e se possível nem mesmo a claridade fraca (e também passar pela avaliação de um médico especialista em sono).



    Resumindo: Melatonina é o “hormônio da noite”. O sono não depende dela, mas sem a queda da temperatura que a melatonina ajuda a promover, o sono fica mais difícil. Isso explica porque muita gente tenta melhorar o sono usando a melatonina. Infelizmente, apenas algumas situações especificas se resolvem com a melatonina tomada por via oral, e mesmo essas não melhoram se não forem feitas outras mudanças orientadas por um profissional especializado. A ciência pode vir a descobrir que a melatonina é mais útil do que parece, mas até lá o bom senso manda que se use dela com parcimônia.


Saiba mais:

1) D. Riehmann et al. European guideline for the diagnosis and treatment of insomnia. Journal of Sleep Research. 2017 DOI: 10.1111/jsr.12594
2) Fiona Auld, Emily L. Maschauer, Ian Morrison, Debra J. Skene, Renata L. Riha Evidence for the efficacy of melatonin in the treatment of primary adult sleep disorders. Sleep Medicine Reviews 2016; 34: 10-22
3) Zizhen Xie et al. A review of sleep disorders and melatonin, Neurological Research. 2017; 39:6, 559-565, DOI: 10.1080/01616412.2017.1315864
4) Meir H. Kryger,‎ Thomas Roth,‎ William C. Dement. Principles and Practice of Sleep Medicine: Expert Consult Premium Edition - Enhanced Online Features and Print, 5e 5th Edition.

Autor

Dr. Breno José Hülle Pereira

Dr. Breno José Hülle Pereira é consultor em Medicina do Sono do Neurodrops. Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo e fez residência médica em Neurologia pela Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Concluiu o mestrado em Medicina do Sono pelo programa de Bases Gerais da Cirurgia da FMB-UNESP em 2016. Atualmente atende na UNISSONO em Vitória - ES. Trabalha e pesquisa nos campos de Neurologia, Medicina do Sono, Polissonografia e Fibromialgia.

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